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domingo, 1 de maio de 2016

Loucura institucional - Arnaldo Bloch

Loucura institucional

Filme sobre Nise da Silveira faz imaginar nossos políticos numa oficina de pintura


COLUNA - Arnaldo Bloch

Além de não ser um país sério (a frase, atribuída a Charles de Gaulle, na verdade foi do embaixador na França, Carlos Alves de Souza), o Brasil não é, definitivamente, um país normal, na medida em que se possa aspirar à normalidade.

Não ser sério nem ser normal podem ser qualidades ou desvantagens. A falta de seriedade produz humor, espírito crítico, jogo de cintura, índole festiva, nas áreas em que a informalidade é um dom positivo. Já na esfera onde é preciso se valer da disciplina pelo bem coletivo, não ser sério produz o caos, o cinismo e a incapacidade de reconhecer o outro.

Não ser normal (sempre entre aspas), num viés positivo, ajuda a enxergar a diferença e a variedade de comportamentos como partes de uma cadeia criativa, na qual a inclusão da psicose no rol de discursos e narrativas produz riqueza humana e modelos não hierarquizados que divergem de padrões rígidos, estanques, desumanos. Por outro lado, quando a loucura passa não só a permear, mas a conduzir as esferas dos poderes, disfarçada em “normalidade institucional”, a sociedade como um todo corre o risco de se perder.

Assistir a “Nise, o coração da loucura”, o belo filme de Roberto Berliner sobre a vida e o trabalho da psiquiatra Nise da Silveira (Glória Pires) junto a um grupo de esquizofrênicos (grande elenco) num manicômio no Engenho de Dentro, faz pensar em como se beneficiariam nossos políticos e nossos juízes de uma oficina de pintura num galpão de fundos de um hospital psiquiátrico.

Nadando contra a corrente da época, que buscava a cura de psicoses com eletrochoques e lobotomias, Nise, nos anos 1940/50, conseguiu melhorar a vida de vários internos ao entregar-lhes pincéis, tintas e telas. À medida que o inconsciente começa a atuar numa superfície de expressão legítima, emergem padrões simbólicos que, atados à singularidade do conflito de cada paciente, vão se convertendo em arte, sem qualquer tipo de indução temática. A história de Nise, e do conjunto de quadros e esculturas que resultou da experiência (acervo valioso), é hoje considerada um caso exemplar e único nas artes.

Faz pensar em como a cena nacional de hoje parece um manicômio amplificado por plenários, tribunas e tribunais. Quem em sã consciência olha para Cunha, Dilma, Temer, Aécio, Lula, Gilmar e enxerga um conjunto de indivíduos equilibrados, coerentes, sinceros e cuja atuação e discurso os situem dentro da realidade? São figuras movidas por forças contraditórias, impulsos ora destrutivos, ora de redenção, todo tipo de fabulações, delírios conspiratórios e conspirações. Nada que se assemelhe a alguma forma de construção, planejamento, união pelo bem comum, nada que não seja sua ciclotimia, seu autismo, sua conversa com as próprias entranhas.

Imaginemos nossos políticos e alguns magistrados retirados por uns seis meses de suas funções e seus afazeres e levados a uma sala com um pátio contíguo no Engenho de Dentro para dedicar-se apenas à pintura, a exercitar sua criatividade em superfícies brancas ou fazendo modelagens em barro, explorando seus impulsos mais profundos, externando seus ódios e suas paixões, resgatando seus traumas. Com certeza, o conteúdo que de lá resultasse seria algo muito mais interessante, rico e construtivo do que temos ouvido ultimamente. Num galpão maior, do tamanho do gramado do Maracanã, poder-se-iam internar uns 3/4 do Congresso Nacional, a julgar pelo insano espetáculo que se viu no dia da votação da abertura do processo de impeachment. Conduzida por tais representantes, que lá estão por vontade soberana do povo, a sociedade acaba reverberando a doença do andar de cima. No Brasil de hoje, em lugar de políticas públicas, o grande debate é uma guerra semântica em torno da palavra golpe. O caráter esquizoide emerge claramente deste debate.

Por um lado, uma narrativa procura caracterizar o processo como um golpe na acepção de ruptura ilegal, com supressão do estado de direito, deposição através do uso da força, o que, obviamente, é uma impostura, tanto que de uma mesma voz há uma versão “de estadista” e uma versão “de governante”.

Por outro lado, o pânico diante da pronúncia da palavra golpe impede um outro espectro de enxergar que, em acepção diversa, está em curso, sim, um golpe político, como qualquer golpe (um golpe pode se realizar dentro da legalidade), gestado durante um ano e meio numa união oportunista de forças partidárias com estratos muito específicos da sociedade. E usando a Constituição para, aproveitando-se da crise econômica e dos erros, da inépcia e da impopularidade da governante, defenestrá-la de forma regimental.

O intuito é levar ao poder um grupo que, em geral, está na mira de todo o tipo de processo e de suspeição, a começar pelo grande condutor, plausível sociopata. O próprio substituto virtual, conspirador empenhado, é citado em delações e tem uma popularidade ainda mais baixa que a da titular.

O nome disso é loucura institucional. Haja arte e criatividade para curá-la.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/loucura-institucional-19197339#ixzz47SEiPYnv

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