Diário de um divorciado louco

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terça-feira, 10 de maio de 2016

"A Partida" - Filme para se emocionar

Este filme, posso dizer que é um filme completo, onde rimos, nos sensibilizamos e emocionamos.
Não é um filme novo, sei que muita gente já assistiu, mas também muita gente que irá adorar este filme!

SINOPSE E DETALHES

Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki) tem o sonho de tocar violoncelo profissionalmente. Para tanto se endivida e compra um instrumento, conseguindo emprego em uma orquestra. O pequeno público que comparece às apresentações faz com que a orquestra seja dissolvida. Sem ter como pagar, ele devolve o instrumento e decide morar, com sua esposa Mika (Ryoko Yoshiyuki), em sua cidade natal. Em busca de emprego, ele se candidata a uma vaga bem remunerada sem saber qual será sua função. Após ser contratado, descobre que será assistente de um agente funerário, o que significa que terá que manipular pessoas mortas. De início Daigo tem nojo da situação, mas a aceita devido ao dinheiro. Apesar disto, esconde o novo trabalho da esposa. Aos poucos ele passa a compreender melhor a tarefa de preparar o corpo de uma pessoa morta para que tenha uma despedida digna.

Título original Okuribito

Assista on line:



Mais sobre o filme: http://www.telacritica.org/apARTIda.htm Ou texto abaixo:

A Partida, (Departures) de Yojiro Takita (2008)



Eixo Temático

A crise estrutural do capital implica na transfiguração do metabolismo social pela imposição, aos sujeitos humanos, da falta de uma vida plena de sentido. Por isso, as divagações quase obsessivas com o problema da morte no capitalismo tardio oculta um problema crucial: a falta do sentido da vida num mundo social desencantando e fetichizado pelos requisitos do trabalho abstrato. Sob o capitalismo tardio imerso na crise estrutural do capital explicita-se com maior candência a dese de sentido da vida que dilacera as individualidades pessoais de classe.

Temas-chaves: capitalismo, estranhamento, morte, sociabilidade, fetichismo.

Filmes relacionados: “Beleza America", de Sam Mendes.


Análise do Filme

O filme “A Partida”, de Yojiro Takita, Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2009, nos leva refletir, de modo lírico, sobre a tragica dialética entre Tradição e Modernidade sob as condições da crise estrutural do capital. O interessante é que o diretor Takita discute o tema da Tradição ameaçada e dissolvida pela modernidade do capital através de uma reflexão intensamente lirica - e as vezes bem-humorada - sobre o sentido da morte (e da vida) no mundo moderno (diga-se de passagem, que o tema da Tradição em dissolução é um tema caro ao cinema clássico japonês - vejam, por exemplo, os filmes de Yasujiro Ozu). O filme "A Partida" resgata o valor da Tradição sem ser nostálgico.


Há quase vinte anos o capitalismo japonês está imerso numa crise de desenvolvimento que abre um campo sintomático de morbidez social. O que explica, de certo modo, porque o problema da morte (e do próprio sentido da vida) aparece como sendo, de fato, o problema da crise da sócioreprodutibilidade capitalista sob a crise da modernidade hipertardia emerge neste filme com intensa força narrativa. Aliás, ao tratar da morte e sua significação, o filme resgata o sentido da vida nas condições da crise atual de civilização.


Outro dado interessante é que, no filme, é através da esfera do trabalho que se põe com candência as questões de cunho existencial lastreadas na reflexão lirica sobre o sentido da morte (e da vida). É ao buscar resolver o problema do trabalho - que é hoje, sob a crise do capitalismo global, o problema do desemprego - que ocorre o reencontro do personagem principal, o jovem Daigo Kobayashi, com seu passado originário. Assim, no filme, o trabalho como atividade vital, portanto, se coloca como esfera sociológica fundamental que organiza o sentido da vida e da morte para o personagem principal.







Portanto, no filme "A Partida", temos, por uma lado, (1) a discussão do choque cultural entre tradição e modernidade, exposta, por exemplo, através da reflexão implicita sobre a perda do sentido da morte (e da vida) nas sociedades capitalistas modernas. Por exemplo, o novo trabalho do jovem Daigo opera uma reposição da tradição no interior da modernidade do capital. O ritual da lavagem de defuntos, prática tradicional da sociedade japonesa que sobrevive na atividade profissional de Daigo, contém, de certo modo, uma resignificação da morte. Como observou o sociólogo Max Weber, para o homem moderno, a morte não tem significado. Mas, na verdade, se a morte não tem significado, a própria vida tende a tornar-se, sob as condições da sociedade do estranhamento social, impossibilitada de sentido pleno.

Por outro lado, é interessante observar que (2) a discussão do tema da morte (e sua significação) se dá a partir da problemática do trabalho, elemento detonador da trama narrativa e elo estruturante do salto existencial dado pelo personagem central. Isto é, é o novo emprego e a nova relação que Daigo terá com o trabalho que irá lhe propiciar uma nova percepção do sentido da vida. Assim, o trabalho como atividade vital, torna-se não apenas meio de vida, mas sim a própria vida.

No filme, o diretor Takita sugere o vínculo histórico-ontológico reflexivo, , entre Trabalho e Vida (algo exposto pelo jovem Marx nos "Manuscritos de 1844"). Ora, só o trabalho como atividade humano-genérica é capaz de nos dar uma vida plena de sentido. Um trabalho alienado nos propiciará uma vida alienada. Um trabalho humanizado nos propiciará uma vida plena de sentido, pois o homem não é apenas um ser que dá resposta e um animal que se fez homem através do trabalho (como bservou Lukács), mas é também um ser que tem sede de sentido de vida (como observou Viktor Frankl). Sob o capitalismo industrial, o traço existencial do trabalho como atividade vital se perdeu. A atividade do trabalho - desumanizada pela relação-capital - se interverteu em trabalho alienado ou trabalho abstrato, mero meio de vida que esvazia o sentido da existência humana.

É importante salientar que a nova atividade profissional de Daigo é um trabalho que exige habilidade manual e dominio de um saber-fazer. Não é uma atividade monotona, repetitiva e mecânica no sentido industrial-capitalista. Existe, deste modo, uma identificação entre o trabalhador e o conteúdo de sua atividade profissional.







O tema narrativo é simples: Daigo Kobayashi é um jovem trabalhador músico violoncelista, casado e desempregado, que retorna a sua cidade natal após a sua orquestra ter sido dissolvida. Ele consegue emprego numa pequena empresa de lavagem de defuntos que presta serviço para empresas funerárias. O novo emprego (e trabalho) de Daigo irá lhe propiciar novas percepções sobre si e sobre sua vida passada e presente, inclusive sobre seus sonhos profissionais.







É o mundo do trabalho funerário que irá propiciar a Daigo encontros e desencontros - por exemplo, se desentende com Yoshiki, sua mulher. E, ao mesmo tempo, "reencontra" seu pai récem-falecido - aliás, é um um curioso encontro que se dá no plano imagético - ao cuidar do corpo do falecido pai recompôe a imagem dele em sua memória, tendo, deste modo, uma catarse que preenche lacunas de afetividade que atormetavam no plano inconsciente.

O novo trabalho de Daigo diz respeito a prática de lavar e arrumar os mortos, prática do Japão tradicional que ainda sobrevive em nossos dias. Estamos diante de uma tradição reposta e resignificada na modernidade do capital. Mas hoje, o preparador dos mortos é uma profissão marginal que sofre inúmeros preconceitos. Por isso, Daigo enfrenta rejeição de amigos e da mulher que considera indigna tal profissão.

Através do trabalho de servidor funerário, Daigo adquire outra percepção da vida. O trabalho, como não poderia deixar de ser, impregna sua vida. Na verdade, o trabalho de preparador de mortos implica outro sentido de morte. O simples gesto de preparar corpos pressupõe, por exemplo,a crença no além-mundo, com a partida sendo apenas a passagem para outra vida. Aliá,s otrabalho, nesse caso, é um ritual significativo que implica toda uma cosmovisão tradicional, que a modernidade burguesa, com sua frieza corriqueira, aboliu e desencantou. Não se trata apenas de adequar corpos para a vigília do velório, mas resignificar um corpo sem vida para os entes queridos que ficaram. Assim, o trabalho funerário de Daigo e Ikuei Sasaki, seu patrão, busca dar sentido vital à partida.







Ora, em várias situações, o ritual de preparação dos corpos mortos altera as relações humanas dos entes queridos que ficaram. Deste modo, mais importante do que a simbologia de preparar o morto para a além-vida (como uma leitura convencional poderia fazer), é preparar o morto para resignificar a morte daquele ente querido que partiu, para aqueles que ficaram. Eis o sentido ontológico desta atividade profissional - afirmar a centralidade da vida (e do trabalho como atividade vital) para homens e mulheres vivos. O filme "A Partida", assim, não é um filme que trata de mortos, mas sim, dos vivos.

Portanto, o trabalho do preparador de defuntos no filme é quase que um mediador para novas percepções existenciais, levando alguns clientes a agradecer pelo ritual esclarecedor. O trabalho do ritual desvenda novas percepções não apenas de quem trabalha, mas das famílias do ente falecido.


A pequena empresa de preparador de corpos – pequena empresa com uma secretária e um empregado – presta serviço às grandes empresas funerárias que cuidam do enterro ou cremação do morto. Em torno do morto constitui-se todo um complexo industrial do trabalho funerário, o trabalho da partida.


No decorrer da narrativa, temos um processo de catarse de Daigo Kobayashi. Ele altera sua auto-percepção da vida. É um trajeto duro onde Daigo redimensiona seus valores existenciais. Logo no começo, a propria relação morte e sexo (instinto de morteversus instinto de vida, diria Freud) transparece na cena em que Daigo, apavorado com a primeira preparação – o corpo em decomposição de uma velha – chega em casa transtornado e busca, de imediato, fazer sexo com a esposa. Ao entregar-se ao sexo, Daigo apenas reitera que sexo é vida que busca se afirmar diante do espectro da morte como desefetivação absoluta. Talvez neste intercurso sexual afirmatório, Daigo tenha engravidado Yoshiki.



O filme reúne uma série de metáforas sobre a condição moderna. Primeiro, a narrativa filmica trata de partidas e não apenas de uma só partida (como o titulo em português equivocadamente sugere). Por exemplo, temos não apenas a partida da vida para a morte, mas a partida de pais que abandonam filhos, dissolvendo a família; a partida de instituições tradicionais abandonadas em virtude da voracidade da vida moderna (por exemplo, a casa de banho que será destruida após a morte de sua proprietária). E temos também, neste processo de modernização, a perda de percepções humanas primordiais que marcavam a sociabilidade originária (o avanço da modernidade implicou irremediavelmente a perda de crenças antigas com suas singelas significações). Assim, muitas vezes, no vendaval da modernização, com o avanço do fetichismo da mercadoria, esquecemos o sentido das coisas, como, por exemplo, a significação das forma das pedras que na velha tradição japonesa, transmite modos de sentir e significações humanas candentes (aliás, como salientou Adorno, a luta contra o fetichismo é a luta contra o esquecimento). Portanto, o filme "A Partida" nos diz que o processo de constituição da modernidade burguesa implica a constituição de um metabolismo social de partidas e danos, com toda dor e sofrimento que isto possa acarretar para as individualidades humano-pessoais.

Por outro lado, ao mesmo tempo, o filme ressignifica as partidas, fazendo vê-las de outra forma (como o ato de preparação dos corpos ou como o personagem vê a figura do pai após reencontra-lo, morto e preparar o corpo dele). Enfim, não podemos impedir as partidas, mas podemos resignifica-las, dar a elas outro sentido imanente capaz de nos fazer dar um novo sentido à vida - eis a verdade ontológica do filme. O filme de Yojiro Takita trata do sentido da vida através da resignificação das partidas.

Um dado interessante: o filme "A Partida" sugere que o problema do sentido da vida - ou melhor, o problema de uma vida plena de sentido - é o verdadeiro problema do capitalismo tardio. Na verdade, eis precisamente o problema do estranhamento (na ótica de Georg Lukács). É a falta de uma vida plena de sentido no mundo manipulado do capital que têm levado as individualidades pessoais de classes a adoecerem - fisico e mentalmente. No mundo da depressão e stress, o fascinio (ou preocupação) com a morte é mero sintoma da desefetivação humano-genérica que caracteriza a sociedade do trabalho alienado.

Entretanto, no filme, as saídas propostas são meramente individuais, como não poderia deixar de ser. That's Hollywood. A resignificação da vida se dá através do resgate (e reposição) dos lastros tradicionais no interior da própria modernidade do capital - isto é, como temos que nos resignar com a irremediavel modernização burguesa, devemos, pelo menos, encontrar - no plano pessoal - um lugar para a tradição no espaço da modernidade desencantada. A dialética Tradição vs. Modernidade é uma dialética sem síntese. Eis a ideologia do filme! Assim, a vida (de Daigo) é ressignificada repondo a tradição num nicho específico da sua existência e não levando-o a se comprometer com uma ideologia politico-coletiva capaz de afirmar uma utopia concreta para além da modernidade burguesa, modernidade do capital que, como sistema automático, dilacerou objetivamente os laços comunitários originários. Enfim, diriamos, é uma saída meramente reformista - não escapista, mas sim reformista - cujo único mérito é expor a problemática candente de nosso tempo.

A modernização implica assim, a perda de significações humanas dadas aos elementos do mundo natural. O homem tradicional dava significados à natureza originária, antropomorfizando-a. Ele humanizava o mundo natural. No filme temos alguns exemplos deste "fetichismo natural" ou antropomorfismo primitivo que ainda sobrevive em algumas práticas cotidianas das sociedades modernas. Por exemplo, no filme, faz-se referência a uma velha tradição japonesa em que as pedras podiam ser utilizadas como "cartas", e expressavam, através de suas formas naturais, candentes significações humanas. Ou ainda. numa cena do filme, os peixes que nadavam contra a corrente e morriam logo que alcançavam seu objetivo, expressavam, com sua ação, uma mensagem de vida para os homens. Enfim, o mundo natural da comunidade originária organizada em torno da tradição, era um mundo social prenhe de subjetividade coletiva. A dimensão humana estava em cada traço da natureza que se impunha a cada um de nós. É ofetichismo primordial da natureza que não se compara hoje, por exemplo, com o fetichismo da mercadoria que iria marcar a modernidade histórica do capital. No mundo das mercadorias, a humanização das coisas se interverteu em coisficação dos homens.

Ao invés do antropomorfismo primitivo, onde o homem se afirma através da sua capacidade em atribuir significados simbólicos ao mundo natural. o fetichismo da mercadoria tende a negar a dimensão do humano ao ocultar o trabalho humano que está contida nos produtos-mercadorias. Mais uma vez, o filme "A Partida" recupera o sentido do humano no mundo fetichizado do capital, um sentido do humano que se resgata, resignificando, inclusive um fato biológico, que é a morte. Por exemplo, qual o sentido de preparar um corpo que logo será incinerado, senão promover através do trabalho de preparação, uma catarse para aqueles entes queridos que presencial a partida do morto. Os mortos estão mortos. O que interessa são os vivos.



Aliás, pode-se dizer, a partir do filme, que a partida - nesse caso - ocorre não no ato da morte propriamente dita, mas sim, aos poucos. A partida é um processo simbólico de perdas e danos, lembrança e resignificação. Como já salientamos, no filme, o processo de preparação do morto, é, na verdade, um processo de resignificação para os entes queridos do verdadeiro sentido da vida. Naquele ritual fúnebre explicita-se a última mensagem daquele ente querido que partiu. É a última mensagem do morto elaborada (ou mediada) pelo trabalho dos agentes funerários. Os mortos, é claro, estão reduzidos ao mundo inorgânico, tal como, por exemplo, uma pedra. A morte é um singelo fato biológico. Entretanto, como na antiga tradição japonesa (que resignifica as pedras), os mortos podem expressar, através do trabalho do ritual fúnebre (o processo do velório e da preparação do defunto), algo de valor para os entes queridos vivos.

O titulo do filme no Brasil – “A Partida” – é diferente do titulo em inglês – Departures (Partidas). O correto seria dizer "Partidas" e não "Partida". No original em japones, o título do filme é "Okuribito", que quer dizer Okuri = levar; Bito = pessoa. Assim,Okuribito é uma pessoa que leva outra a algum lugar. Daigo e seu patrão - que lhe ensinou a arte da preparação dos mortos - é esta pessoa que leva outra a algum lugar: o lugar dos mortos.

O diretor Yojiro Takita fez excelentes utilizações do convencionalismo de Hollywood. O filme é deveras cativante e emocionante, usando com notável habilidade o poder das imagens – fotografias e trilha musical – que envolvem com maestria o público. Além disso, o excelente desempenho dos atores e a qualidade do roteiro contribuem para o resultado final: tratar com lirismo e senso de humor um tema aparentemente tão mórbido.

Giovanni Alves (2010)

Musica enredo



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