As idas e vindas do amor... Pela internet
28/08/2016 19:33 | João Gabriel |
Mateus Mognon não teve problemas para acordar cedo para trabalhar num sábado. Mesmo depois de uma noite mal dormida, às 7h da manhã o jovem estava se aprontando para fazer o longo trajeto da Palhoça até o bairro da Trindade, na ilha de Florianópolis. E a dedicação ao seu trabalho como estagiário no Adrenaline não foi bem o principal motivo pra tanta disposição matinal. O rapaz ia se encontrar com Bianca Schinaider pela primeira vez, depois de meses conversando apenas pela internet. O nervosismo que o atrapalhou a dormir, mas ajudou a acordar é compartilhado por um número crescente de pessoas ao redor do mundo que se aventuram num relacionamento online.
Dados a respeito desse tipo de relação não são tão comuns. Enquanto sites de relacionamentos colhem constantemente informações sobre seus usuários, eles tendem a guardar os fatos para si e divulgar apenas o que convém para o marketing. Mas o crescimento do número de relacionamentos românticos online pode ser facilmente notado de duas formas: quando ele ganha as notícias, como no caso de Alexander Pieter Cirk, um holandês que voou até a China para encontrar pessoalmente sua amada, que ele conheceu pela internet, e ficou 10 dias no aeroporto esperando em vão; ou quando não temos dificuldade alguma em encontrar alguém vivendo a experiência, como um colega de trabalho que senta diariamente ao seu lado, por exemplo.
O caso de Cirk seria o suficiente para desencorajar muitos a tentarem suas próprias aventuras amorosas no pouco confiável mundo da internet, só que nem toda história de amor online tem um final decepcionante. Rafael Alves de Santana e Priscila Oliveira Alves de Santana são casados há 5 anos e não se conheceram pelo Facebook, Twitter, ou até mesmo Orkut... No melhor estilo "old-school", os dois começaram contato através de comentários em blogs, algo muito popular no início dos anos 2000, a época em que se conheceram.
Atualmente os dois vivem juntos no Rio de Janeiro, onde criam também seu filho Joaquim, já com 2 anos de idade e bastante interessado em participar de entrevistas por Skype. Mas a vida que o casal tem hoje é a continuação de um relacionamento que começou e se fortaleceu pela internet, há cerca de 8 anos, quando Priscila já estava no Rio de Janeiro, mas Rafael morava no Paraná. O casal começou conversando pelos comentários de blogs, passou para o Orkut e depois chegou ao saudoso MSN. Os dois passaram mais ou menos um ano interagindo assim até a Priscila juntar coragem (e dinheiro) para visitar o Rafael no Paraná. Ela voltou pra casa já com status de "relacionamento sério".
Perguntados a respeito do que deu certo nesse "salto no abismo", como o próprio casal chamou o início do namoro, a resposta foi a mesma que a do Mateus e a de tantos outros: comunicação. Rafael e Priscila consideram que sua experiência com blogs e seu gosto pessoal pela escrita ajudaram os dois a se expressarem e se comunicarem bem, o que fortaleceu a relação. Enquanto isso, Mateus considera que sempre teve um papo muito "fluido" com Bianca peloWhatsApp. A comunicação, inclusive, é a responsável pela vantagem mencionada por todos os entrevistados sobre um namoro online em relação ao presencial: se conhecer melhor.
Bianca disse que conversar pela internet a ajuda a contornar sua timidez, se sentir mais segura e se abrir mais com o Mateus, conversar sobre tudo. O Rafael e a Priscila disseram que quando uma relação começa pessoalmente "primeiro é o fogo, depois as coisas ficam mais pessoais. À distância é o contrário que acontece".
A importância da comunicação para qualquer relacionamento não foi mencionada apenas pelos casais, mas também pela psicóloga Fernanda Balem Tagliari. Antes de mais nada, segundo ela, não devemos "problematizar" o namoro pela internet, uma vez que ele seria "só mais um tipo de relacionamento". Apesar desse formato de relação ainda ser alvo de preconceito, principalmente pelo pessoal mais velho, do ponto de vista psicológico, ele é tão válido como qualquer outro namoro. "Se é isso que a pessoa quer e está dando certo, não tem problema nenhum", explica Tagliari.
E este é o mesmo pensamento que a Bianca tem. Apesar de estudar publicidade e não psicologia, ela considera que "não dá pra dizer que o contato não é real. Real e virtual é a mesma coisa". O psicólogo Ben Michaelis, porém, não concorda muito com isso. Em seu post "Por Que Relacionamentos à Distância Nunca Nunca Funcionam (Exceto Quando Eles Funcionam)", no Huffington Post, Michaelis explica que esse tipo de relação, muitas vezes, vive uma "constante lua de mel", em que os participantes só conversam sobre o que gostam e evitam tratar dos problemas da vida ou ter discussões, o tipo de coisa que pode servir para fortalecer um relacionamento presencial. Quando perguntada sobre o assunto, Tagliari concordou que, em alguns casos, um relacionamento à distância que depois se torna presencial vai enfrentar problemas "comparáveis a um matrimônio", mas que isso não necessariamente vai sabotar o casal, dependendo muito de cada pessoa.
Um exemplo interessante dessa "experiência matrimonial" é o de Natália Souza, que conheceu Ronald Boer peloChatroulette há 5 anos. Ela morava aqui em Florianópolis e ele na Holanda. Os dois construíram uma relação que durou anos, com visitas esporádicas apenas nas férias e mesmo assim estava tudo certo. Foi a experiência de viverem durante 6 meses juntos durante um intercâmbio da Natália para o país de Ronald que acabou comprometendo a relação, mas não pelos motivos destacados por Michaelis em seu post. O que aconteceu, no caso, foi que depois de sentir como era ter um namoro presencial, voltar para a condição online já não servia mais para nenhum dos dois.
Os relatos de diferentes casais comparados com a análise de psicólogos tornam nítido o que qualquer um já poderia imaginar: cada caso é um caso, claro. Mas há semelhanças. Além da comunicação ter sido apontada como um pilar indispensável para todos os casais e o fato de se conhecerem melhor ter sido a primeira vantagem que veio à mente deles, há também outra coincidência interessante: os pais nunca levam o namoro online a sério.
Bianca nem comentou com sua família e, na verdade, faz questão de disfarçar quando está conversando com Mateus. Rafael estava dizendo que sua mãe demorou pra levar a relação dele com Priscila a sério, quando sua esposa o interrompeu pra dizer "sua mãe só levou a sério no dia do casamento!" Ainda que tenha sido uma brincadeira, todo mundo sabe que as gerações anteriores têm muita dificuldade para aceitar o que acontece no mundo virtual como algo real e que vá ter algum reflexo direto em suas vidas. Para Tagliari isso parte muito das experiências que o pessoal mais antigo teve em suas próprias relações que, em sua maioria, enfrentavam mais dificuldades. Mesmo um namoro presencial muitas vezes era supervisionado por familiares e vizinhos e, no geral, tudo demorava mais pra acontecer. Esses "desafios", depois de vencidos, tornam-se motivo de orgulho pra essas pessoas, que passam a enxergá-los como um aspecto que foi importante e até indispensável na construção de suas próprias famílias. A facilidade "exagerada" trazida pela internet contribuiria para enfraquecer as relações, tirar a legitimidade delas. A internet, aliás, é uma transformação muito grande na vida de todas as pessoas, em vários níveis diferentes e, como explica a psicóloga, "toda transformação gera resistência".
Com ou sem resistência, uma coisa é certa: as transformações trazidas pela internet estão longe de serem paradas, especialmente quando o assunto é relacionamentos. O sucesso do Tinder foi uma explosão impressionante, contando com um crescimento anual médio de 140% e 15.000 matches por dia em 2014. O WhatsApp foi adquirido pelo Facebook por impressionantes US$ 16 bilhões e, mais recentemente, a Google lançou um aplicativo voltado especialmente para fazer chamadas de vídeo de maneira descomplicada e leve em smartphones, o Duo, que logo na primeira semana de seu lançamento foi para o topo da lista de aplicativos gratuitos mais baixados na Google Play nos EUA. E conforme as gerações que já cresceram acostumadas com a internet vão crescendo, é mais provável que esse tipo de relacionamento fique cada vez mais natural.
Bianca voltou pra casa da irmã em Florianópolis feliz, mas com uma ponta de tristeza por saber que não veria Mateus de novo tão cedo. O primeiro encontro saiu exatamente como ela imaginava que seria porque, mesmo essa sendo a primeira vez que viu o rapaz pessoalmente, ela sentia que o conhecia completamente. Ela nunca fez uma distinção das conversas que os dois tinham pela internet com o que se pode conversar frente a frente. Perguntada se ela pretende levar o relacionamento adiante, talvez até chamar de namoro, ela não quis dar um nome ao processo que está passando com nosso querido colega aqui do Adrenaline, mas seu receio pareceu mais uma superstição para não trazer má sorte à relação do que um medo de comprometimento propriamente dito. Porém é importante lembrar que ela não vai poder continuar escondendo o relacionamento dos pais por muito tempo e eventualmente eles vão precisar conhecer o Mateus se for pras coisas irem adiante e eles, talvez, levarem a relação a sério.
Mas fala a verdade... Isso soa diferente de qualquer outro tipo de namoro?
Fonte: http://adrenaline.uol.com.br/2016/08/28/45024/as-idas-e-vindas-do-amor-pela-internet/
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